A morada



Portas arrombadas pelo simples tocar do outro. Sentia por demais, mal percebia lá se dava a carne exposta sem saber-se moderar ou retrair por zelo, distância adequada ao bom convívio.
Era de dar intimidade com naturalidade, escutando em silêncio os gritos da pele em lhe dizer os limites tarde demais.
Havia perdido o contorno naquele dia de cinzas por todos os lados.
Nãos sabia alterar a pressão do cenho na testa pesada. Pudesse, fecharia as janelas e pausaria até respirar passarinho novamente.
Tanto a perder em pausas demasiado longas para reaver-se inteira.
Apesar da retração forçada, sabia de si, mesmo não compreendendo as engrenagens do mundo que a tudo lhe diluía o gozo.
Perdia-se nos contornos do outro. Acreditava nos borrões da palavra hibridando-se à tudo o que lhe ocorria na carne. Eterna despedida do que fugia ao gesto desencontrado.
Via as cores em demasia. Nada lhe era homogêneo; reconhecia detalhes miúdos gestando sua perturbação, instante após tempo o bastante de afastar-se para ganhar ar novamente.
Por vezes pedia à um Deus generoso que lhe desse visão mas também peito aberto ao enfrentamento do que via, preservando-lhe o pedaço de vida que lhe cabia.
Por dias, desaprendia os limites e a tudo se fundia. A palavra era-lhe contorno principal ao não derramar do juízo.
O entorno lhe queimava e nenhuma parte carbonizada à vista ao tanto que lhe acontecia no calo do corpo. Sabia a força da seiva à existir no possível ordinário dos encontros breves. Pulsão de vontade lhe habilitando as asas de borboleta.
Ela girava aqueles dias de pouco sol, destituída do clarão que lhe ocultava o rosto.
Acreditava poder brincar os dias de luto de si.
Havia tempos estava a morrer para outro galho de folhas a nascer de alguma vértebra-flor de cerejeira da cervical miúda, para novo gozo abrir-lhe espaço dentro da reluzente armadura com que adentrava os dias.
Dor habitada de isolamento, com o que mais lhe brilhava os olhos. Ansiava espalhafatosa pelo toque em eternos convites-frustrações ao ver-se invadida de olhos e julgamentos abrasadores no menor contato com o mundo. A vida vindo-lhe direto pela fresta da carne daqueles minutos longos de tudo tão passageiro.
Dificuldade era ser mãe das próprias carícias e brincadeiras de não saber-se dançar em pé. Caía e lhe caía a maior parte dos dias. Cansada de ralar-se por onde apoiava a face, deixara de notar a raspagem seguinte, sempre tão abrasiva árvore, e os galhos nascendo-lhe às costas sem poder-se abraçar toda.
Pedindo ajuda para podar os excessos que lhe ocupavam a vista no mudo afeto com que atravessava grandes atropelos contra a vontade. Pedido que não sabia da boca cair.

Nunca soube ao certo considerar a vontade, apenas acreditava no caminho como parte de alguma boa notícia à espreita, mesmo voltando contraída e rasgada por transitar apertada à tantos espaços ocupados demais por corpos de distintas intenções das suas. Queria apenas cantar passarinho com as imperfeições possíveis, e ao final, alguma satisfação ventando-lhe o espírito, sem ríspidos, tantos constrangimentos. Sim. Ela mostrava os dentes, mas para sorrir o impossível dos ataques e mordidas que a vida lhe oferecia a cada esquina. Não estava sabendo ser, mas insistia carne macia, mesmo desfolhando-se a cada dia as fragilidades, dos contornos de mulher que buscavam a verdade da face, peitos e olhos muito nus, machucados por ausências que não soube.


Li Scobár

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