História do Pé
Saiu calçando chinelos no meio da chuva. Pisava as
poças com feridas expostas nos calcanhares. Estavam cansados os pés.
Havia dias, usava sapatos que apertavam, moíam,
ralavam o delicado rosado da pele.
Ela se habituara a desgastar os pés.
Sentia algum orgulho da resistência em lidar
naturalmente com a dor de sangrar desconforto.
Ele lhe notou os pés cansados. Se encontravam nus,
com vermelhidão suave, acompanhando pernas nuas, colocadas para cima, onde um
tronco nu descansava.
Relaxamento nu, como quem finge esquecer todo o peso
da cabeça.
Quis oferecer algo aos pés do seu gozo. Tanta leveza
de asas admirava naqueles pés.
Pés de correr à vontade estando em melhores
condições de pular poças. Estando intactos e quentes poderiam falar de uma
terra quente e fofa.
Aqueles pés estavam a fingir conforto colorido.
Acordou com as botas de obra na soleira da janela. O primeiro calçado de dar liberdade em territórios inóspitos e radicais. Os primeiros pés de correr de sua vida.
Sorriu ao receber pés de ir longe. Calçou o espaço
de esparramar-se dentro. Era quente e macio.
As botas eram de pisar barro e paralelepípedos
escorregadios com a graça de quem sabe se aventurar.
Por qual estrada
iriam?
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