voo da voz


Hoje um passarinho miúdo nasceu da omoplata direita. 
Havia dias lhe doía a parte retesada. Foi então que sentou-se no canto duro da casa, 
e, afagando o gato, sentiu estourar ás costas um líquido quente turvado.
Notou movimento miúdo, 
ruído de miudeza que persistia em piar. 
O pio da vida insistindo em fazer-se nascer de surpresa.

Com doçura lavou o passarinho e deu-lhe de beber.
O que afinal bebem os passarinhos recém nascidos?

Estava com fome quando o gato lhe ameaçou a estadia da vida. 
Ela deu-lhe um safanão de afastar mamíferos mau intencionados e cuidou do passarinho que estava a crescer. Deu-lhe um cantinho livre no quarto. 
Fez-lhe ninho de palha dourada e forrou com um belo tecido carmim. 

O passarinho passava dias explorando as subidas e descidas do quarto. Lia os títulos dos livros em prateleiras e pensava nos mundos todos, ali guardados em suspensão, aguardando o gesto de leitura em iminência de tornar-se vida.

Durante a noite ela lia em voz alta para as asas que cresciam a cada dia. Observava com carinho o brilho que lhe traziam ao olho, o encanto de escutar as palavras ali proferidas.

A menina sabia que chegaria o dia do passarinho voar a grande travessia. Aguardava atenta, pensando em qual capítulo esse gesto viria.




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