Abelha

Fazia quente o dia, ela me visitava as manhãs de cozinha. Há tempos minha fobia acalmou a escuta ao ser alado de corpo tenro de listrinhas pretas-amarelo que me zunia.
Passei a dar maior tolerância à voz de miudeza que me avançava os sentidos. Bramindo o ouvido de paisagens do passado, que por algum motivo, persistiam em retornar naqueles dias de juventude-pêra madura à mesa.
Foi quando adentrou a xícara dando voltas ao café frio, os limites que eu havia estabelecido ao fígado de uma xícara ao dia.
Minha impressão reconhecia o tombo da faminta em afogar-se na bebida, quando de súbito passei a mão na colher próxima, lançando a maluca fora do seu fim.

Você quer se matar?
-disse socorrendo a pequena do escuro.

Veio então a pousar disponível para novo voo à altura da minha coxa esquerda. Silêncio de gesto, a abelha, agradeceu-me baixinho sorrindo amizade.
Com os seres menores, alados em raio e dimensão, esperança pode nos ocorrer, algum bom acontecimento à convivência do belo. Estado esse de nascer, quando a comunicação dos dias passa além das paspalhices da ambição que antecipa o acontecimento da visão, anulando as paisagens então presentes.
Naquela manhã, minha mais nova amiga puxou-me à ouvir o tamanho da vida. Voltei a bebericar o café frio com a beleza de estar a beijar parte de uma colmeia inteira.
Belo dia salva-vidas da indiferença, do pesado em nossas cabeças cínicas e cindidas dos porcos corpos, evitados, negados ao chiqueiro das nossas ambições.

Imergia carne aos mantras da automatização, à experiência do escutar em algum lugar à prova de som, do comprimir pulso á jugular, enfiando-lhe rolha na virilha que palpita ao vital dos órgãos.

Têmpora serena que contempla calada o que fica abaixo das afirmações “divinas” há tempos, escrita por homens. Observação provida de miudezas do corpo escrito mulher.

A palavra me havia sumido aquele dia; pensei até que passaria dessa para uma pior incerteza de morte ao meu caos fragmentado, onde desprovido de amor, vazia dos sentidos, reduzida existência em másculos e desbravados formatos.
Vazio devastando pulso forte do delicado que resiste abocanhado ao encorpado gesto do viço. Veia qualidade de ar em tudo o que sombra turvando os dizeres do peito.

Minha heroína habita o mundo das abelhas que estão a sumir, afogadas em crua redução da fala, fim imediato da diversa escuta-reconhecimento de linguagem.

Que boca é voz dos dias de tumulto tão marcados por medo mudo?

Revolução serena dos anseios da frustração tua, dias de fúria- qual é a poesia mais crua?

Talvez saiba que não se trata da vitória ou dos princípios da queda esfolada-cara ao concreto chão de merda que mal notas, pisa todos os dias, mas sim dos caminhos de voz criando imagens cruas, de pés alados como os da minha ambição de corpo aberto que surge nuvem transfigurada em árvore, exposta à delicadeza do que é, sendo que talvez você seja abelha. Sejamos.

É preciso algum consentimento bebericado em xícara-fato, uma crença no voo.
A queda é sedutora ao cético, ao cru dos nossos dias suicidas.
Palavra-voo tornou-se isolada destituída da simbologia mítica, que em profundeza ainda não habituei-me a dar corpo o bastante, prostrando-me em superfícies escorregadias.


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